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segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Uma vez eu conheci um cara. Foi numa dessas noites que a gente só sai de casa por livre e espontânea pressão dos amigos, uma noite quente de Janeiro. Ele me olhou do outro lado da rua, apontou pra minha camisa e me perguntou se eu gostava da banda estampada nela, pensei comigo mesma "mas que idiota, por que é que eu usaria essa camisa se não gostasse da banda?", mas me limitei a sorrir e balançar a cabeça, ao mesmo tempo em que me virei pra acender um cigarro, ele me alcançou. Tirou o cigarro dos meus lábios e o lançou ao chão, tomado por determinação "uma garota bonita como você não deveria fumar". Naquele momento, eu não sabia se ria da cara do maluco ou se simplesmente dava as costas pra ele, mas ele me surpreendeu quando pegou a minha mão e saiu me arrastando em direção ao bar mais próximo. O lunático me convenceu de que eu tinha a obrigação de pagar uma cerveja pra ele, só porque, aparentemente, ele tinha acabado de salvar a minha vida. Nos sentamos frente a frente e trocamos meia dúzia de palavras, ele me disse que gostava de rock e contei pra ele que eu detestava eletrônica, ele concordou com um meio sorriso e quase uma hora depois, eu já tinha me perdido nos olhos castanhos daquele estranho. Gostávamos das mesmas musicas, mas ele tinha um péssimo gosto pra filmes e uma mania horrível de rir de tudo aquilo que eu levava a sério. 
O calor que antes fazia com que o meu corpo suasse, agora tinha se transformado em pesadas gotas de chuva, e lá estávamos nós, dois desconhecidos correndo pelo meio da rua, procurando abrigo numa cidade que nunca dormia. Por um momento, ele parou, abriu os braços na avenida e sorriu de uma orelha a outra "eu nunca beijei na chuva", berrou, caminhando a passos largos na minha direção. Comecei a rir e antes de sentir os lábios dele nos meus, consegui murmurar "você é completamente maluco". Nos vimos todos os dias depois daquela noite, ele me levou pra acampar e dançamos enquanto a fogueira queimava, só eu, ele e um céu com um milhão de estrelas coloridas. Na semana seguinte, eu o apresentei pras obras de Tarantino, ele dormiu depois de 20 minutos do começo do primeiro filme. Namoramos por quase dois anos, vivíamos de viagens repentinas, noites mal dormidas e de tardes na beira do mar... Ele me acordava com beijos na ponta do nariz e mesmo quando brigávamos enlouquecidamente, ele me fazia esquecer de tudo quando as mãos passeavam pelo meu corpo minutos depois -o sexo de reconciliação era incrível- e isso foi suficiente. Pelo menos por algum tempo.
Aquele cara que eu conheci naquela noite quente me ensinou que nem sempre o amor curava todas as feridas e suavizava todos os problemas.
Conforme o tempo passava, as contas iam se empilhando na mesa da sala, os trabalhos da faculdade iam me corroendo por dentro e vê-lo sempre tão relaxado, me enlouquecia de forma arrebatadora.
Naquela semana, voltei pra casa dos meus pais. Liguei o ar condicionado, coloquei os fones nos ouvidos e ignorei todas as chamadas do maluco do bar.
Nos afastamos pelos meses que se seguiram, não nos encontrávamos mais durante a semana e com o tempo, os fins de semana também não faziam mais parte de nós dois.
Envelhecemos. Não o suficiente, mas o necessário pra que nossas prioridades mudassem.
Alguns anos depois, com o estresse das provas finais do curso batendo a porta e a saudade tomando conta do meu coração, peguei o carro e fugi. Liguei o som no volume máximo e pra felicidade da vida e do karma -que definitivamente não era o meu maior fã- a nossa música tocou. 
Me vi de frente pro mar. O exato local onde dormimos juntos pela primeira vez. Quando tudo escureceu, olhei pro céu, o céu que tinha sido espectador de nós dois. As estrelas me encararam e vi nelas o reflexo da minha tristeza. Pensei em ligar pra ele, dizer que precisava do barulho irritante que ele fazia na cozinha pela manhã, das piadas sem graça que ele contava quando visitava os meus pais e das crises de ciúme que ele tinha quando me via ensaiando uma das cenas do teatro com outro cara. 
Eu nunca liguei. Coloquei o telefone no bolso e dirigi de volta pra aba dos meus pais.
Era maio. Tínhamos acabado de sair da praia, as garotas e eu, quando fomos pro meu apartamento novo -um cubículo no centro da cidade-, nos arrumamos e saímos pra beber. Coloquei uma camiseta velha dos rolling stones, peguei o maço do meu cigarro favorito e fui embora. 
No meio de todo aquele barulho, de todas aquelas pessoas desconhecidas, eu o vi de novo.
Ele sorriu abertamente. Apontou pra minha camisa e perguntou se eu gostava dos rolling stones tanto quanto ele gostava de mim.
Amassei o cigarro e atravessei a rua, arrastando-o pela mão. O maluco não entendeu nada, então me limitei a dizer "eu te devo uma bebida", os olhos dele permaneceram confusos, então o beijei e entre um beijo e outro, sussurrei "obrigada por salvar a minha vida."

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