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quarta-feira, 11 de março de 2015

Às vezes eu paro pra pensar no que motiva a gente. No que faz a gente se levantar todos os dias e correr atrás de um futuro pré-planejado pelos nossos pais. Ir à faculdade, comer coisas saudáveis na hora do almoço, pegar o ônibus num horário seguro, não ficar desfilando por aí com o celular em mãos... Pegar um táxi desconhecido então, imagine só!  Quando foi que viramos essas pessoas? Quando foi que nos tornamos membros da parte segura da sociedade? Quando foi que nos tornamos os tipos de adolescentes que tem medo de dizer aos pais que não querem ir à faculdade, que querem viajar pelo mundo primeiro? Quando foi que deixamos de ser jovens, rebeldes e curiosos? Ou que perdemos a coragem de nos entregar de corpo e alma pra outra pessoa, por que o final é sempre escuro, sempre desconhecido... E eu, boba como sou, sempre pensei que essa fosse a parte gostosa de se apaixonar. O não saber. Não saber onde se vai chegar. Não saber se vai funcionar. Não saber quanto tempo vai durar. Não saber o gosto do beijo. Não saber o gosto do sexo. Não saber o que se esconde por baixo da maquiagem, da roupa. Não saber como começar e... Descobrir. Tudo isso me leva a pensar nessa palavra: descobrir. 
Uma vez saí de casa com uns amigos da escola, um pessoal que eu não via há quase três anos. Entrei no táxi -desses seguros, de companhia confiável, é claro- e pedi que me deixassem na casa de um dos meninos. Fiquei boba ao descobrir que parte dos meus amigos sentia orgulho de gritar a quatro cantos "Estou solteiríssima, namorar pra que? Olha pra mim, por acaso tenho cara de quem gosta de ser corna?" ou "Você mora sozinha? Por que? Não consigo imaginar ter que lavar a louça". No fundo, me senti deslocada. Fugi pra varanda e carreguei uma cerveja gelada comigo. Passei a maior parte do tempo sozinha. 
Quando chegamos a boate, fiquei confusa. A menina que antes tinha afirmado estar solteira e feliz, agora chorava num canto escuro do lugar, tudo porque um carinha que ela ficava vez ou outra, estava aos beijos com uma morena cor de jambo, dessas que estão sempre mais atraentes do que as outras pessoas ao redor. O meu outro amigo, aquele surpreso por descobrir que eu morava sozinha, berrava ao telefone com a mãe, tudo porque ele queria chegar em casa num horário fora do "razoável", passou por mim gritando "Odeio morar com os meus pais". No fundo, eu quis rir. Quis mesmo. Soltar uma dessas gargalhadas tão gostosas que seria impossível que quem estivesse por perto conseguisse ficar sério, mas não fiz isso. Naquele momento, tive uma epifania. Eu estava cansada de ser segura. Cansada de viver dentro da redoma que tinha se tornado a minha vida.
Dei as costas pra música, pras pessoas, pros meus amigos nada hipócritas, e peguei um ônibus. Às 3:30 da manhã. Um ônibus. Desci em frente a praia. Senti o vento bater no meu cabelo e por trinta segundos, senti medo. Você não vai pra casa, anda, são só alguns passos até a areia, deixa de ser boba, respira fundo e vai. E eu fui. Abri a bolsa e fumei um cigarro, me jogando pra trás e sentindo a areia fria se chocar contra as minhas costas. A minha deusa interior em algum estado profundo e desconhecido de êxtase.
- Você vai acabar sendo roubada se continuar aí. - Soube que meu coração ainda batia naquela mesma hora, quando o senti martelar contra a minha garganta. O cara sorriu. Ele devia ter mais ou menos o meu tamanho e olhos muito, muito escuros. Ele não parece ser um assaltante, lá vai você de novo, julgando a pessoa pela aparência, mas talvez ele seja uma pessoa boa, ou não. Droga. Sem que eu o convidasse, ele se sentou, esticando as pernas antes de abraçar os joelhos.
- Estou saindo da redoma. - Ele gargalhou.
- Que tipo de drogas você andou usando? - Fiz cara feia, colocando a bolsa disfarçadamente entre as pernas. - Eu não vou roubar a sua bolsa. - E me arrependendo logo depois.
- Não usei droga nenhuma. Só quis ver o mar.
- Você fuma? - Encarei o meu cigarro, me perguntando se ele tinha algum tipo de disfunção cerebral. - Você me entendeu.
- Ah, só às vezes... 
- Se importa se eu fumar?
- Não.
O meu "só às vezes" não funcionou. Foi tão fraco e inaudível que nem eu mesma acreditava no que tinha acabado de dizer. Ficamos os dois ali, sentados, olhando pras ondas escuras que iam e vinham em uma sincronia quase mágica. Ele me contou um pouco da história dele e contei tudo aquilo que podia ser contado sobre a minha. Quando amanheceu, nós dois nos despedimos e foi como se nunca tivéssemos nos encontrado.
Peguei o ônibus de volta pra casa, um desses que minha mãe jamais aprovaria e dividi o banco com um cara que fedia a bebida e a banheiro de botequim (foi doloroso pra mim).
Naquela noite, comecei a pensar no que significava quebrar limites e percebi que a frase, de alguma maneira esquisita, me lembrava novamente a palavra descobrir. Descobrir coisas novas. Descobrir sentimentos, pessoas, lugares, sensações. Sair da minha dimensão segura, significava ser livre. Livre pra que eu pudesse decidir por minha mesma o que era perigoso, o que podia e o que não podia ser feito. Significava experimentar. Viver. 
De repente, ali, sentada na cama com a maquiagem borrada e os pés sujos de areia, percebi que não sabia o que me motivaria pro resto da vida, mas tinha certeza do que me motivaria na manhã seguinte: a vontade de me sentir viva, jovem, rebelde e livre.

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