Pages

domingo, 22 de março de 2015

Eram três da manhã de sexta-feira. Três da manhã. De sexta-feira. O telefone tocou e não me surpreendi quando ouvi a voz atordoada do outro lado da linha, no fundo eu tinha certeza de que a ideia de visitar o babaca que ela costumava namorar, era absolutamente péssima. Abri a porta enrolada no cobertor, um copo de café na mão e a sensação de que estava prestes a dormir de pé invadindo fortemente o meu corpo.
- Você tinha razão, ele só queria transar comigo... - Abracei a minha melhor amiga, numa tentativa falha de tentar consolá-la da única forma que eu sabia como.
Nos sentamos no sofá e ela começou a balbuciar palavras que eu sequer sabia se eram parte da nossa língua, o nervosismo evidente nas mãos, que sacudiam de um lado pro outro, tentando me provar que o que o cara tinha feito era, de fato, totalmente errado.
Naquele momento, coloquei pra fora todos os meus melhores conselhos, disse pra ela que ela não precisava se colocar pra baixo por um cara como aquele, um baixinho de um metro e meio que só tinha dormido com uma mulher na vida (ela). Disse que isso de não poder controlar o coração era desculpa dos românticos desestruturados e que ela podia, sim, ser dona do que sentia e de como reagia a tais sentimentos.
Bati na mesa e proclamei: "homem nenhum pode usar você desta maneira, você é uma mulher forte, independente, bonita e super inteligente!", ela começou a sorrir e notei que por alguns minutos, ela pareceu acreditar em tudo aquilo que eu tinha acabado de dizer. Foi nesse momento que me senti uma verdadeira hipócrita.
Olhei pra ela, toda molhada de chuva, a maquiagem borrada (dessa vez, a culpa não era dos fenômenos da natureza) e o coração partido... Eu estava me olhando no espelho. 
Há muitos meses, me vi dançando numa boate agitada, lotada demais pra que qualquer um que não estivesse há poucos metros de mim, pudesse me notar. Peguei o telefone e mandei uma mensagem pro único cara no mundo que provavelmente não fazia a menor questão de me ver, foi uma dessas mensagens clássicas, no momento exato em que as doses de tequila alcançam o córtex, responsável por todos os nossos impulsos mais estúpidos. Minutos depois, me vi dentro de um táxi, e antes mesmo que eu pudesse controlar, minhas roupas voavam pelo quarto dele. 
Não posso reclamar. O sexo era incrível e a sensação de êxtase era sempre muito bem vinda, mas só durava até o nascer do Sol. Na manhã seguinte, as coisas podiam fluir de duas formas distintas, ele podia acordar, me encher de carinho e me pedir pra ficar só mais um pouquinho ou podia se levantar (ignorando totalmente a minha presença) e fazer de tudo pra que eu me mandasse o mais rápido possível.
Na época, eu gostava de acreditar que, de uma forma totalmente inusitada, ele me amava, mas não foi até que a situação se revertesse, que percebi que ele podia sentir diversos sentimentos, mas que amor definitivamente não era um deles.
Pouco tempo depois que paramos de nos "encontrar" assim, conheci outro cara. Ele era amoroso, carinhoso, atencioso e todos os "osos" que uma mulher procura num homem. Às vezes ele me ligava de madrugada, declarava "eu te amo" e vinha correndo pra minha casa, eu podia adorá-lo, mas não tinha como amar alguém como ele. Alguém tão desesperado por atenção que perdia todo e qualquer senso de amor próprio quando o objetivo final era poder me ver. O sexo era bom, mas era exatamente o que era: sexo, na mais séria das definições. Não era apaixonante, muito menos de contorcer os dedos dos pés, era um meio necessário pro fim que era sempre o orgasmo. Com o tempo, comecei a entender o tal carinha que recebia as minhas mensagens no meio da noite. A lógica ficou clara.
As manhãs em que ele me pedia pra ficar, nada mais eram do que manhãs onde estávamos sozinhos em casa, manhãs em que o orgasmo da madrugada podia ser prorrogado até a hora do almoço. Eu não o culpava por isso, até porque, agora, a minha linha de raciocínio era bem parecida com a dele.
Foi nesse dia em que comecei a ver razão em tudo o que tinha sido feito à mim. Se ele não ligava, não era porque era orgulhoso demais, era porque não sentia a minha falta. Se não me mandava mensagem, não era porque o telefone tinha descarregado, era porque, naquele momento, a casa estava cheia demais pra que eu pudesse "visitá-lo". Se não me abraçava, me beijava, não era porque não confiava que eu pudesse amá-lo de volta, era porque não se sentia dessa forma por mim. Um baque. Foi exatamente isso que senti. Uma epifania profunda que me encheu com um vazio doloroso. 
A verdade sobre tudo era uma só: me deixei ser usada porque era completamente apaixonada pelo cara, assim como o meu atual, naquela época, se deixava levar e ignorava todas as grosserias, a falta de carinho e a ausência (quase total) de atenção, porque me amava.
Dando conselhos pra minha amiga desesperada, me dei conta de que dos males, o amor platônico é sempre o pior deles. Amar alguém que não pode (jamais) sentir a mesma coisa, é um caminho direto e sem volta pra ausência do amor próprio, da admiração pessoal e da valorização do próprio corpo.
Cresci ouvindo que as loucuras de amor, normalmente, eram as maiores provas de que há certo valor em estar junto, em se envolver, em se apaixonar. O que seriam dessas loucuras de amor sem a reciprocidade? Sem a vontade absoluta de amar alguém de volta? Insanidades temporárias. Acho que é daí que vêm as "mulheres malucas", as "ex sociopatas", os "ficantes possessivos"... Todas as pessoas que sempre amaram sozinhas.
Ali, as três da manhã de sexta-feira, me dei conta de que todos nós já fomos a maluca, toda molhada de chuva e com a maquiagem borrada. Já amamos alguém que usava do nosso sentimento pra alcançar o orgasmo (ou a satisfação pessoal), que fingia reciprocidade pra continuar recebendo loucuras de amor... Todos nós já amamos alguém que sequer tinha se apaixonado na vida.
Meu ponto é: não permita que a experiência de um amor platônico machuque tanto o seu coração a ponto de que você não queira amar de novo. Não se permita a hipocrisia ou a mudança de personalidade pelo medo da rejeição. 
Ame sempre. Se apaixone sempre. Se envolva por qualquer um que te faça sorrir... 
E se vale a pena mencionar, sabe essa garota que te tem amarrado nos dedos da mão? A vez dela também vai chegar e quando chegar, você vai estar longe demais pra segurá-la no momento da queda...

Nenhum comentário:

Postar um comentário