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domingo, 10 de maio de 2015

Às vezes, ela caía

Às vezes ela caía. Bebia demais, sozinha, e simplesmente caía. Olhava as fotos dele com a namorada nova e reclamava pro nada “Ela nem é tão bonita assim… Olha só esses olhos esquisitos… Tudo bem, ela é loira e boazuda, mas o meu cabelo é melhor” e daí chorava. Andava pela casa sem entender como tinha alcançado aquele ponto. Pra se sentir melhor, ela saía com as amigas, bebia o máximo que podia e beijava quantas bocas quisesse, só pra chegar à conclusão óbvia de que nenhuma delas tinha o gosto dele. Olhava pra cama vazia e via um filme curto dos dois abraçados, rindo pro nada, gargalhando de alguma besteira que ela tinha dito. Era sempre ela, sempre ela que cometia as gafes, ele nunca errava. Ela odiava a sensação, mas o amava por sempre estar certo, ela precisava de algum nível de razão na própria vida, sempre de pernas pro ar. Naquela noite, a garrafa vazia de vinho olhava pra ela como se fossem íntimas demais, como se soubesse do tamanho do vazio dentro do coração dela. Ela mordeu os dedos, angustiada, pegou um casaco fino e calçou as botas (um pé de cada par). Condenou a chave do apartamento por se recusar a entrar na fechadura, chutou a porta do elevador e xingou as flores murchas da portaria do prédio.
Ele andava despreocupado em casa, uma garrafa de cerveja nas mãos e a tal loira boazuda deitada em sua cama. O cara não fazia a menor ideia do porquê de não sentir “aquilo” com ela. Ela era linda, inteligente, tão parecida com ele… Mas nada. Amava a companhia e se divertia sempre que ela estava por perto, mas sentia falta das risadas da antiga amante. Sentia falta das conversas no meio da madrugada sobre um futuro que, agora, parecia inviável. Sentia falta da forma como ela sempre tagarelava sem parar sobre tudo. Na noite anterior, ele só tinha pensado nela, na forma como ela sempre ficava linda na camisa favorita dele, na mordida cheia de segundas intenções que ela dava nos lábios, como se fosse uma gatinha manhosa, implorando por ele. Sacudiu a cabeça, implorando pra que aquilo parasse. Pensar nela não era saudável, ela não era saudável pra ele. Pegou outra garrafa de cerveja na geladeira e saiu, evitando fazer qualquer tipo de barulho.
Enquanto andava sem rumo, ela pensava na besteira que estava prestes a fazer. O efeito do álcool gritava que ela precisava tirá-lo do sistema, que precisava mandá-lo a merda e se livrar de qualquer esperança viva dentro de seu coração, mas a pessoa sóbria, adormecida dentro dela, dizia que ela não estava pronta. Que não estava pronta pra deixá-lo ir embora.
Não demorou muito pra que ele a visse, sentada na calçada, sapatos trocados e o cabelo bagunçado. Ele olhou pra cima, como se debochasse do cara que dava as ordens… Só podia ser brincadeira.
– Sempre soube que você era maluca, mas usar sapatos trocados foge do seu padrão de loucura.
– É claro que você ia aparecer.
– Você tá na porta do meu prédio… – Ela olhou pra trás, perdida.
– Fantástico…
Ele se sentou ao seu lado, oferecendo a garrafa de cerveja pra ela.
Os dois ficaram em silêncio até que ela começasse a gargalhar. Ele riu junto, mesmo sem saber o motivo.
– Eu vim com os sapatos trocados. Eu sou mesmo uma bagunça.
Depois de mais alguns minutos de silêncio, ele a puxou pra um abraço desajeitado.
– Senti a sua falta.
– Eu também senti a sua.
– Queria não ter sentido.
– Ah, porque eu adoro me sentir assim…
Não sabia bem se era o clima, se era o efeito das cervejas, mas ele não conseguia tirar os olhos dela. Era irritante como ela sempre fazia isso, como sempre reaparecia e fodia totalmente com o psicológico dele.
– Quer tirar uma foto?
– Você é irritante.
E a beijou. Assim. Sem motivo, sem explicação. A sensação foi inexplicável. Tudo nela era um enigma, ele odiava isso. Odiava não saber quando ela o amava e quando o detestava. Odiava a incerteza que vinha sempre que alguém mencionava o nome dela. Ela se levantou, puxando as botas pra cima e ajeitando o cabelo, só pra deixá-lo ainda pior.
– Não aguento mais continuar assim. Não quero mais ficar presa desse jeito…
– Você sempre diz a mesma coisa.
– É verdade!
– Então se afasta.
– Uau, você é um babaca.
– O que você quer que eu diga?
Nem ela sabia. Ela não fazia a menor ideia. Sentiu os olhos se encherem de lágrimas e olhou pra ele, verdadeiramente, pela primeira vez na noite. Um nó incômodo se formou em seu estômago e a falta de ar veio de imediato. Ela sabia que estar com ele não era uma opção. Por Deus, sequer sabia se ainda o amava… Então por que sempre voltava? Por que sempre corria atrás dele? Por que não conseguia esquecê-lo?
De pé, ali, na frente do cara que tinha quebrado seu coração, ela percebeu. Percebeu que se aquilo não acabasse, os dois nunca se livrariam um do outro. Eram duas almas partidas, iludidos na ideia de que eram feitos um pro outro… Ah, se soubessem. Se soubessem que aquilo não se passava de um livro de lembranças. Memórias de duas pessoas que nem existiam mais.
Ela deu de ombros, virou as costas e prometeu a si mesma que não voltaria mais.
Ele jogou a garrafa no chão, frustrado. Deu meia volta e tomou o rumo em direção a loira seminua em sua cama.
Os dois sabiam que, às vezes, cairiam.
Pra ela, pela primeira vez em muito tempo, a queda não tinha doído. Pela primeira vez nos últimos anos, tinha caído nos braços de um outro alguém.
Às vezes, ela caía. Bebia demais e caía. Depois ria… Cair tinha virado uma rotina gostosa. Principalmente quando o novo cara em sua vida a segurava…

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