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domingo, 9 de março de 2014

O barulho e o silêncio...

Tudo era perfeito antes dela. Na verdade, pra mim, tudo era perfeito. 
Quando o conheci pela primeira vez, notei nele um brilho diferente, um sentimento de atração que queimava dentro de mim todas as vezes que nossos olhos se cruzavam. Éramos tão parecidos. Se eu gostasse de algo, era provável, que aquela coisa tambem fosse uma de suas coisas favoritas.
Nos parecíamos até nos mínimos detalhes. Exceto pelos relacionamentos anteriores...
Ela foi pra ele, tudo o que eu jamais poderia ter sido. Ela foi fogo, chama, ela foi loucura. Nós nunca brigávamos e ele me garantia que era uma das melhores coisas sobre o nosso relacionamento.
Eles brigavam o tempo todo, gritavam furiosos, como amantes enlouquecidamente apaixonados. Constantemente partiam o coração um do outro. Por vezes tentei aconselha-lo. Dizer pra ele que tentasse tirá-la de sua vida. Não por ciúmes. Eu não era nem um pouco insegura quanto ao que ele sentia por mim.
Ela era.
Completamente possessiva.
Ele dizia, mais uma vez, que era mais uma das coisas que amava sobre o nosso relacionamento. 
Me senti como um item antagônico a tudo o que se referia a ela. Me senti como uma peça do quebra cabeças que não se encaixava a dele, apenas a espelhava.
O confrontei sobre a amizade fortemente presente entre os dois. Ele me dizia que sabia que ela precisava dele e que não poderia machuca-la mais uma vez. Sempre sentindo-se culpado por deixar de amá-la. Ou pelo menos, era isso o que eu pensava.
Hoje em dia me pergunto como é que nunca vi o tamanho da necessidade dela por ele antes... E ainda pior, me pergunto como não notei, que era ele quem precisava dela para se sentir vivo. 
Estávamos no cinema, era uma sexta-feira muito quente, tínhamos decidido que terminaríamos a noite juntos, os planos estavam em ordem e estávamos felizes. Escolhemos um filme antigo, juntos, um de nossos filmes prediletos e antes mesmo que pudéssemos chegar a nossa cena favorita, o telefone dele tocou. O vi rejeitar a ligação umas três vezes... Na quarta, ele simplesmente se deu por vencido. Me pediu licença com uma expressão que julguei vergonha.
O deixei ir, mas curiosa, o segui até o saguão principal.
Ele parecia desesperado. A voz saía falha. "Eu não posso te ajudar... Você tem certeza? Tudo bem, eu vou te encontrar. Fique onde está!" O ouvi berrar, exasperado como um pai preocupado com seu filho adolescente.
Entramos no carro, ainda em silêncio. Ele dirigia como um maníaco. Os olhos estavam vidrados na estrada, como se estivessem prestes a devorar todos os quilômetros que o separavam dela.
Ele me pediu desculpa, mais uma vez, antes de me deixar sozinha.
O vi abraça-la. E então nossos olhos se encontraram. Acenei pra ela, incerta do que fazer. Ela o empurrou.
A vi apontar pra mim e berrar ao longe. Palavras sem sentido jogadas ao vento. Ele berrou de volta, mexendo desajeitamente nos cabelos. 
Ela correu pra longe.
Ele não se moveu. Sentou na calçada e escondeu o rosto nas mãos. 
Quando me juntei a ele, me senti uma completa idiota, mas ainda assim, a compreensão me veio mais forte do que a ira.
"Se você a ama tanto assim, por que insiste em ficar longe dela?"
Ele não soube responder.
Nunca saberia.
Mesmo com todas as manias obsessivas dela, ele ainda a amava. Foi óbvio. Foi feroz. Foi intensamente dolorido.
O beijei. Tentando uma ultima vez convence-lo de que nossa similaridade podia nos fazer feliz. Foi inevitável. Completamente falho. 
Eu era a calma, o silêncio, eu era o tempo lento, a vida tranqüila. Mas ele tambem era e estava cansado disso. Ele queria a agitação dela, o barulho de sua gargalhada escandalosa, a correria dos dois até a cama. Ele queria uma vida em que ela estivesse sempre presente, para movimenta-lo.
Fui embora e tentei não olhar pra trás.
Anos depois, perdida numa curiosidade que pareceu me preencher naquela tarde de domingo, passei em frente a casa dele. 
Me sentindo esperançosa de formas que até hoje não sei explicar. Olhei pra sacada e meus olhos se arrependeram imediatamente.
Eles estavam abraçados.
Ela tinha um lençol fino envolto ao corpo e ria despreocupadamente. As mãos dele envolviam sua cintura, enquanto ele lhe beijava o pescoço.
O barulho e o silêncio, juntos de novo. Emaranhados num misto que pra mim, não fazia o menor sentido...
Pelo menos, não por enquanto. 

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