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quarta-feira, 18 de março de 2015

A gente se apaixona o tempo todo. Tudo bem, talvez "se apaixonar" seja forte demais, mas a gente com certeza se deixa envolver todos os dias. A gente se envolve pela fala mansa de quem acaba de conhecer, pelo sorriso infantil daquele nosso melhor amigo de infância que a gente nunca tinha notado antes, pelos olhos brilhantes de uma garota que dança pela madrugada na nossa boate favorita, pelo perfume do cara de terno no metrô... A gente se envolve sempre. Às vezes eu tento pensar nisso, no que faz com que o "se envolver" vire "se apaixonar" e principalmente, no que realmente transforma tudo isso em amor. 
Outro dia, saí da faculdade cansada, esgotada mesmo, entrei no ônibus - lotado, como sempre - e fiquei de pé, rezando pra qualquer santo, que estivesse disposto a me dar um pouquinho de força, pra não me deixar desmaiar bem ali. Desviei os olhos por dois segundos e me peguei encarando firmemente um casal de idosos, os dois abraçados, rindo baixinho de uma coisa que parecia engraçada somente pra eles.
- Já disse pra você que não tem porque ir ao mercado sozinha, a Maria pode muito bem fazer esse tipo de coisa, meu bem.
- Joaquim, olha só, eu sei que a Maria pode fazer isso, ela tem duas pernas e adivinha quem mais tem duas pernas? Pois é! Eu!
- Tudo bem, tudo bem, quando você tropeçar e se machucar, não adianta vir chorosa dizendo que não viu o degrau...
- Grosseirão!
- Eu me preocupo, é diferente.
- Pois pare! Ora, quem foi que pediu pra você me proteger?
- Você mesma! No dia do nosso casamento, eu prometi pra Deus e pra sua família inteira que ia cuidar bem de você.
- Golpe baixo, Joaquim, golpe baixo...
- Sabe o que não é baixo? O degrau do mercado.
- Ah, se eu não te amasse tanto assim...
- Ainda bem que ama.
Me peguei rindo da cena. Eu não sabia muito bem o que era o amor, mas naquele momento, senti que estava diante de sua aparição mais física. Por mais que a situação tivesse acendido algum tipo de luz dentro de mim, também me vi preocupada. Temi pela nossa geração. Uma geração que sabe muito bem se envolver, mas que não faz mais a menor ideia do significado de amar... Uma geração que canta de garganta cheia "hoje eu quero trair a minha namorada" e que mal sabe a importância e a profundidade da palavra "compromisso". 
Nunca fui santa e sempre agradeci a Deus por isso, vivo a minha adolescência da forma que deve ser e acredito que você também, e por isso pergunto a mim mesma "quantos corações já parti tentando encontrar o amor?" E aí pronto! A sensação de desgaste emocional vem com força total. 
Me vi totalmente presa, sufocada nas histórias que me vieram à mente.
Naquele dia, cheguei em casa e abri o computador, pesquisei "amor verdadeiro" (por pura falta do que fazer, se é que posso ser bem clara), milhares de filmes, livros, séries e músicas apareceram na minha frente. Não sei quando foi que começamos a ligar o amor ao conto de fadas. Ao cara perfeito, rico, de corpo escultural e sorriso de tirar o fôlego, ou à garota de corpo cheio de curvas, cabelo comprido e disposta a ficar de joelhos (no sentido de submissão mesmo) pelo pior tipo de cara possível... Quando foi que chegamos a esse patamar? 
Na mesma noite, tomei um banho e me vesti pra encontrar umas amigas. Pouco antes de sair, chequei o telefone, na esperança de que ele tivesse me mandado qualquer tipo de mensagem. Nada, 0. Fomos a uma boate famosa na cidade, esperamos horas na fila e quando finalmente conseguimos entrar, meu pé já estava dolorido e o meu bom humor já tinha ido pra casa do espaço! Contei pra elas o que andava incomodando a minha cabeça e a Mel, uma loirinha de cabelos compridos e olhos pretos, respondeu exatamente assim:
- Nossa, fala sério! Se apaixonar pra que? Hoje em dia os caras só querem sexo e além do mais, pra que reclamar? É só pra isso que eles servem mesmo!
As meninas deram gargalhadas, continuaram bebendo e discutindo o assunto. Ouvi coisas do tipo "É muito bom não precisar ter alguém no seu pé", "Fala sério, o cara queria me levar pra jantar? Quem leva alguém pra jantar hoje em dia?!", "Você acredita que ele não ia embora da minha casa? É tipo: cara, se liga, era só sexo". 
Comecei a beber na mesma hora e estava disposta a ficar bêbada o suficiente pra que, milagrosamente, o álcool afetasse a minha audição e eu me tornasse impossibilitada de ouvir toda aquela baboseira.
Fui a passos tortos até o bar, pedi quatro doses de uma bebida quente e coloquei tudo pra dentro, me arrependendo quase que instantaneamente (a minha vida podia ser totalmente comparada a esse momento: fazer coisas das quais me arrependo, quero dizer, tudo por puro impulso). Me deixei envolver pela música, prendi os cabelos num coque e me entreguei completamente ao lugar.
Pouco antes de sentir que eu tinha perdido total controle do meu corpo e da minha mente, me joguei num sofá que, com certeza, era meramente decorativo. Foi aí que eu o vi.
O babaca que não tinha tido dois minutos pra responder a minha mensagem mais cedo.
Os olhos dele foram de encontro aos meus e quando ele começou a andar na minha direção, fiz o impensável: beijei o cara, totalmente aleatório, que estava sentado do meu lado. Não foi um daqueles beijos curtos, que a gente tá com tanta preguiça de dar continuidade que só fica ali, sentindo os lábios do outro, foi um beijo desses de novela, com muita movimentação e pouco espaço pra respirar fundo. Tudo bem, pro beijo de um cara que eu nunca tinha sequer visto antes, a coisa estava muito, mas muito boa. Quando me dei conta do que estava rolando ao meu redor, eu o soltei. Ele me olhou completamente assustado, os olhos escuros não sabiam bem como reagir. Dei uma tapinha no joelho dele:
- Obrigada.
E saí andando, decidida a ir embora. O garoto me alcançou.
- Ei, peraí, qual é o seu nome?
- Pra que é que você quer saber?
- Você não pode me beijar desse jeito e não me dizer nem o seu nome, isso não pode ser justo.
- Olha, eu só te beijei pra fazer ciúmes no cara que eu ficava, será que dá pra gente cortar essa conversa totalmente sem graça e cada um ir pra sua casa?
- Já que você tá sendo sincera, eu também vou ser, não quero saber o seu nome, mas queria te levar pra casa.
Tomei um tapa desses de mão super aberta no meio do ego. Levou cerca de trinta segundos pra quarta dose bater e menos de um minuto pra que eu estivesse indo pra casa do maluco. Passamos uma noite incrível juntos... Na manhã seguinte, tentei fugir antes que ele acordasse, mas fui flagrada enquanto calçava os saltos.
- É uma lei pessoal, preciso te alimentar antes de te devolver pra sociedade. - Ri alto pra ele e me surpreendi quando ele me puxou pra um abraço apertado e cheio de sentimentos que eu não sabia identificar.
Preparamos um café da manhã desses típicos de um casal adolescente que pensa ser adulto, recheado de cereais e ovos (a única coisa que o príncipe da night sabia preparar). Comemos juntos, assistimos a um filme durante a tarde e quando decidi ir embora, eram quase meia noite. Ele choramingou:
- É tarde demais, dorme aqui de novo, amanhã cedo eu quebro a regra do café da manhã e você volta pra casa assim que acordar.
Fiquei. Pelo restante do fim de semana. 
Antes de ir embora, percebi que o cara pelo qual eu tinha me envolvido na boate, continuava ali, mas que eu conseguia ver nele, a possibilidade de um sentimento novo, de um "além" que matava de curiosidade.
Foi como se por uma fração de segundo, eu conseguisse ver o tipo de cara que se esforçou pra me preparar ovos (queimados) e que cortou os dedos enquanto tentava preparar um suco de limão (mega azedo) que eu tinha mencionado como meu favorito.  O cara que tinha me acordado com beijos calorosos no pescoço e que tinha me feito gargalhar enquanto assistíamos ao filme mais sem nexo do mundo. Dei as costas pra ele e no minuto seguinte, senti uma sensação estranha queimar a minha garganta... Saudade?
Dei de ombros, agarrando mais forte a barra do vestido e erguendo a cabeça no meio da minha caminhada da vergonha.
Quando cheguei à porta do prédio, o ouvi gritar lá de cima:
- Cuidado com os degraus! - Abri um sorriso infantil, sacudindo a cabeça como uma criança boba que tinha acabado de receber um presente.
Não sei exatamente à que força misteriosa devia agradecer nas semanas que seguiram àquela, mas pela primeira vez em muito tempo, senti que começava a compreender o casal do ônibus.
O amor não se tratava de um fenômeno sequencial. Ele simplesmente... Acontecia. E aconteceu. Por muito tempo, me deixei envolver todos os dias pela mesma pessoa, pelo mesmo perfume, pelo mesmo sorriso, pela fala mansa de um cara só... E a sensação? Era indescritível. 
Algo parecido com ser carregada nos braços... E nunca precisar subir degraus, altos demais, sozinha de novo.

6 comentários:

  1. textos otimos,, tbm escrevo e sei como é gratificante, quando recebemos elogios pelo o que escrevemos... !!!!!!

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  2. Amei teus textos!!!Tu arrasa (y) Parabéns!!!

    http://nescacristina.blogspot.com.br/

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  3. Parabéns adorei o texto!
    Mesmo ele sendo um pouco longo, vc consegue nos prender a ele, faz da até aquelas suspiradas lentas depois de ver um vídeo de romance e aquelas batidinhas mais rápidas no peito kkkkkkk parabéns

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  4. Gente, me arrepiei todinha!!!
    Texto lindo, maravilhoso <3

    http://www.drugstomysoul.tumblr.com/

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  5. Gente, me arrepiei todinha!!!
    Texto lindo, maravilhoso <3

    http://www.drugstomysoul.tumblr.com/

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