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terça-feira, 6 de novembro de 2012

Outros meios


Às vezes ela perdia a noção do tempo. Não, não que fosse uma daquelas pessoas sérias e ocupadas, muito pelo contrário, não carregava pastas pesadas e nem usava ternos engomados, saltos altos então, nossa, longe dela! Era uma garota, simplória, como outra qualquer, levava algum tempo escolhendo roupas e não dormia bem até que ele lhe enviasse uma mensagem. "Nós garotas somos assim, emotivas e, às vezes, insolentes." Ela repetia sempre que a perguntavam como conseguia se achar parecida com as outras garotas. Era a única semelhança que encontrava. Mas hoje, talvez isso fosse um pouco diferente.
Setembro. Isso ainda a assustava. O ano tinha passado tão rápido que ainda conseguia se ver perfeitamente de pé -ou tentando- com a taça de vinho na mão direita -odiava champagne!-, fazendo um esforço subumano pra manter os pés numa posição que não a fizesse cair, "Mas que grande porcaria!" se a mãe não lhe tivesse feito usar esse tipo de sapato, com certeza estaria confortável e não soaria tão bêbada como naquele dia. Abriu um sorriso torto, pelo menos tinha encontrado uma boa desculpa pra que ele a tocasse, sempre que se lembrava da noite de ano novo, o toque dele continuava lá, fazendo-a rir e se arrepiar. Era uma sensação engraçada essa, a de se sentir amada.
Enquanto observava as gaivotas mergulhando no céu, encarava o maço de cigarro em cima da mesa da varanda, será que se fumasse só um, alguém descobriria? Talvez dois, e se tudo desse certo, chegaria ao quarto facilmente. Não! Não iria destruir seus princípios pela lembrança morta de um garoto, principalmente por aquele garoto. A verdade, é que ele não tinha culpa. Se ela não tivesse confiado nele como fizera a quase um ano atrás, tudo seria diferente, podiam continuar sendo eles mesmos, sem a culpa de um relacionamento fracassado. Em pensar que conseguia se ver perto dele, os dois juntos, sentindo o cheiro um do outro, enquanto sorriam e completavam doze gloriosos meses juntos. Mas que ingenuidade!
Isso a assustava. Em um ano tantas coisas são modificadas, promessas são quebradas e as juras de amor se tornam juras de um passado tão distante... Sentia uma dor que não sabia como colocar pra fora. Apoiou as duas mãos na mureta e viu o próprio corpo pular telhado acima. O céu estava zangado, talvez carregasse a mesma decepção que ela. Talvez estivesse tão enfurecido quanto ela. Tudo ainda era um nó. Ela tentava organizar um discurso na própria cabeça, tentava achar algo útil que pudesse fazer com que ele olhasse pra ela uma última vez, só pra que pudesse dizer o quanto o odiava, o quanto se arrependia do dia que ele tinha entrado em sua vida. E naquele momento, ela não sabia se tinha sido coisa do céu, ou do inferno, mas ele estava ali. Parado à certa distância da casa, um buquê de rosas na mão, e ela podia jurar que carregava mais promessas falsas guardadas no interior de seu coração. Ela se sentou, afundando o queixo entre os joelhos e ele a viu pela primeira vez naquele dia.
O mundo tinha parado. As árvores sussurravam umas pras outras, os amantes estavam juntos de novo, e seus olhares não negavam os boatos. Ele queria colocar as mãos no pescoço dela e estrangulá-la, fazer com que sentisse parte da dor que o havia feito sentir, mas ao mesmo tempo queria abraçá-la, sentir o cheiro dela como costumava fazer, olhá-la por duas horas inteiras e fazer com que seu coração ficasse em paz, mesmo que por pouco tempo. As coisas dentro dela não funcionavam de forma diferente, podia se ver gritando, apontando dedos e chorando, mas também podia ver a si mesma o beijando calorosamente e sentindo o próprio corpo se encaixando com o dele, como se tivessem sido moldados pra viver assim.
As pessoas protestavam! Fofocavam pra um e pra outro, fazendo com que ficassem ainda mais furiosos. Tentavam enlouquecidamente fazer com que permanecessem separados. Ela era um deslize, enlouquecia quem desejava e tinha certa noção disso, era autosuficiente, e ele... Ah! Eu poderia passar o dia escrevendo sobre ele, era um malandro, tinha as garotas que queria e quando queria, e isso agradava os amigos, os faziam sentir vivos dentro das conquistas dele! Se eles dois ficassem juntos, seria uma trapaça digna de um livro! Dois líderes, dois conquistadores, a união de duas forças. Era injusto demais para com as nações mais fracas. Mas hoje, separados, se sentiam fracassados. Como se por mais que tentassem, o buraco continuasse ali. Intacto. Um buraco negro que só poderia ser preenchido com o que um podia oferecer ao outro. Era um amor insano, depravado, uma coexistência totalmente não pacífica, mas era a solução. Ou talvez houvesse outro meio...
Teve um momento de insanidade e deu um passo a frente, agora ela podia ver com mais facilidade o chão, e os olhos dele se arregalaram, a visão do corpo dele foi se embaçando conforme ela sentia o vento bater contra seu rosto, um pouco mais agressivo, enchendo os olhos dela de lágrimas. Não sabia se o que diziam sobre quando estar prestes a morrer era verdade, mas podia jurar que as lembranças dos dois passavam como um filme diante dos olhos castanho-avermelhados que ela tinha, lembrava-se da parte que mais gostava agora, quando os dois deitavam juntos, e a luz fraca da janela deixava o quarto semi-escuro, o sono batia nela, forçando-a a dormir, mas quando abria os olhos, sentia-se lisonjeada por vê-lo ali, encarando-a com uma expressão boba no rosto. Não sabia por que motivo, mas essa era a lembrança mais forte que tinha dele. Passaram noites juntos, comemoraram festas juntos, se amaram de algumas formas que fico envergonhada ao mencionar, mas a lembrança que a afetava ainda era essa. A mais boba.
E era com essa lembrança que ela se preparava pra deixá-lo. Deixar o mundo. Os pés dela se movimentaram pela última vez e a voz dele berrou em meio às lágrimas. Ela tinha pulado.
Tinha carregado consigo mesma, a única lembrança que ainda lhe restava.
Tinha ido embora.

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