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terça-feira, 6 de novembro de 2012

Perdidos


Ela era uma garota um pouco difícil, tinha um temperamento forte e mesmo nos anos proibidos, fumava escondido todos os dias, na esquina do estacionamento do pequeno supermercado de sua rua. Era uma garota rebelde, não acreditava em casamento e não acreditava no amor. Era bonita, exótica, tinha grandes olhos, alongados, pareciam olhos de gato, mas não fazia a menor ideia do que fazer com um rímel, nem sequer sabia como as garotas chamavam "aquela coisa, que deixa a parte interna dos olhos escura!". As garotas riam dela, a maioria por que tinha medo de que algum dia ela acordasse e se olhasse no espelho pela primeira vez, a insegurança faz esse tipo de coisa com você.
Ele era um garoto bonito, um sorriso charmoso e o sobrenome orgulhosamente estampado nas costas da jaqueta do time de futebol. Carregava uma reputação pesada, tão pesada que, em segredo, jogava no canto da sala de estar sempre que chegava em casa. A capitã das líderes de torcida, aquela garota, com um loiro platinado no cabelo, bem, ela era namorada dele, e mesmo com os boatos de traição, ele jamais tivera coragem de traí-la, ia contra os princípios dele -os reais, e não os do personagem que ele se transformava ao entrar nos corredores de onde estudava-. A escola era seu reino e todas as pessoas não se passavam de súditos, todas queriam a atenção, queriam ter a chance de passar pelo menos um minuto com um garoto como ele, quero dizer, todos menos a garota estranha.
E essa era a história que todos conheciam. Mas a verdadeira história, somente os dois sabiam.
Eles se encontravam todos os dias, na mesma esquina. Sentavam-se calados e trocavam apenas os cigarros e o isqueiro. Ficavam sem se falar por horas, enquanto a fumaça se esvaía pelo ar e os carros passavam com os faróis acesos, extremamente barulhentos. Por algumas vezes, ela se permitia descansar a cabeça no ombro dele e depois de se certificar de que ela não o encarava, ele esboçava um sorriso lateral, como se o cheiro dela o fizesse bem. Nenhum dos dois se lembrava muito bem da primeira vez que se sentaram ali, -juntos, quero dizer- mas pouco lhes importava. Com o tempo, simplesmente tinham se acostumado com a proximidade, e doía quando por algum problema familiar -acredite, eles tinham muitos-, não podiam se encontrar. Ele precisava da segurança que ela transmitia, precisava de alguém que pudesse fazê-lo ser ele mesmo, e desde o primeiro momento, ela o abraçou, não fisicamente, mas envolveu a personalidade dele nos próprios braços.
Nos poucos dias que realmente conversavam, ela dizia que não tinha necessidade de vê-lo, mas quando lia alguns romances antigos, e proibidos pra garotas de sua idade, podia jurar que sentia todos os sintomas do que as pessoas chamavam de amor quando estava com ele, as pernas bambeavam, e o estômago subitamente se fazia embrulhado, nervoso, também tinha a agitação nos batimentos cardíacos, que a faziam respirar profundamente, e todas essas baboseiras... Ela simplesmente sentia tudo e isso a assustava.
Por algum motivo desconhecido, ela não conseguia sentir ciúmes dele, talvez por que soubesse, internamente, que o tinha mais do que qualquer outra pessoa. Eram melhores amigos, mesmo que ainda não entendessem esse tipo de condição.
Talvez se ele fosse corajoso o suficiente pra convidá-la pra sair, podiam ser namorados. "Mas o que vão pensar?", era o que constantemente se perguntava, e sentia nojo de si mesmo por isso. Ela estava ali, a única garota que ele amaria durante toda a vida, e mesmo quando a própria avó -a segunda mulher que conhecia a história além da própria garota- lhe dizia que era novo demais pra declarar tal insanidade, ele confirmava, continuava dizendo que estava apaixonado. Ainda não sabia a razão, afinal, ela era uma rebelde! Mas quando a escutava gargalhar, conseguia ver parte dessa grande razão, ela era única. E ele a estava deixando ir, por um motivo que nem acreditava se realmente querem saber, mas o que faria?
Nada. Ele nunca fez um movimento.
Nunca lhe disse o quanto era apaixonado por ela. Uma vez, lembro-me quase nitidamente, ela conseguiu esboçar a frase, aquela, bem pequena, com três palavras, e tudo o que ele fez foi tragar com mais força o cigarro e continuar tragando, sem parar. Ela se machucou. E depois de agarrar a bolsa de couro nas mãos tensas, correu pra casa. Se jogou contra o portão enquanto o corpo escorria, caindo no chão frio, talvez lhe parecesse frio por que dessa vez ele não estava ali para abracá-la. Agora ela se lembrava de tudo, se lembrava do motivo de não acreditar no amor.
Ele vinha com o sofrimento. Ela deveria saber. Tola!
Depois daquela terça-feira, ela nunca mais voltou à esquina e entregou tudo o que tinha ao que sabia fazer melhor, teve três livros publicados e todos eram sobre garotas como ela. O final dele? Ele passou anos com a loira platinada, mas sempre que a abraçava, procurava por um cheiro que não era o dela. Tiveram dois filhos, e se sentia um lixo quando pensava em como os filhos dele seriam se ele tivesse respondido à pequena frase, anos atrás. Definitivamente ainda a amava.
"Ah, se eu pudesse fazer tudo de novo!" Praguejava sempre que ele e a atual mulher discutiam, mas por mais que ele implorasse, as palavras não mudavam o passado.
Os dois tiveram caminhos diferentes, mas lembro-me como era incrível a forma que os olhos se enchiam de lágrima sempre que sentavam nas varandas e acendiam os cigarros.
Eram almas gêmeas, perdidos mundo afora.

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