Claire era uma garota maluca. Tudo o que podia ter
acontecido de errado em sua vida, tinha acontecido, e mesmo assim, ela
simplesmente sorria, fumava seu cigarro e gesticulava aos outros "Pouco me
importa!". Naquela noite tudo iria mudar, mas a garota, boba como era, não
fazia a menor ideia. Continuava andando sobre as botas pretas, a cabeça perdida
em pensamentos, nos problemas, nas mentiras que deveria inventar pra provar
pros outros que era alguém totalmente diferente de si mesma, se é que isso fazia
algum sentido. Pra ela, era totalmente compreensivo. A sociedade mudara,
crescera, e mesmo com a cabeça ingênua e cheia de sonhos fúnebres, ela mantinha
a pose firme, e a maioria das pessoas caía no olhar esnobe que ela espalhava
por onde passava. Muitas garotas gostariam de ter parte de sua atitude, mas a
verdade é que ela era só mais uma menina sozinha, desconfiada do mundo e de
qualquer homem que tentasse se aproximar dela, por isso -como lhe dizia a
própria mãe- só escolhia os cafajestes, nunca tinha sido mulher suficiente pra
lidar com um homem que lhe amasse. Mas imagine, só! Se alguém como ela amaria
alguém. Preferia ser enganada e ludibriada a se entregar à um homem, jamais se
abriria, jamais faria sexo, jamais seria vulnerável à qualquer atitude masculina,
era assim que pensava quando se lembrava do pai, alcoólatra, drogado e
abusivo com a mãe. Se ela nunca se entregasse, talvez jamais caísse no mesmo
abismo. Tentava entender, mas a mãe sempre lhe dizia que o amava, o amava o
suficiente pra passar por cima dos espancamentos, das surras, das poças de
vômito marcadas no carpete verde escuro da única sala da casa, e de tudo que o
fazia o monstro que era. A garota continuava achando que o amor que a mãe
tanto lhe dizia existir, não se passava de um acesso de loucura momentâneo, uma
ausência de sanidade que a fazia engolir os abusos de um homem bárbaro e
mentiroso. Mas como sempre repetia “Pouco lhe importava!”.
O inverno era mais frio que o normal, e Claire
praguejava sempre que uma brisa mais gelada rasgava a ponta de seu nariz
avermelhado. Ele, o garoto com a qual jamais poderia sonhar se relacionar,
andava despreocupado na mesma direção, três garotas sorriam pra ele, enquanto o
tocavam deliberadamente. Claire gargalhou, não podia evitar. Quão patético era
assistir à esse tipo de situação? Mas Caleb jamais mudaria, e ela sabia disso,
ninguém jamais o tornaria diferente do que era, nem mesmo ela, com todas as
palavras difíceis e o jogo de cintura, ele seria sempre o mesmo babaca,
sempre bêbado e absorto do que lhe acontecia ao redor. Até aquela noite. Mas os
dois ainda não faziam a menor ideia disso.
Como autora, devo dizer que talvez soubessem, por que
lembro-me perfeitamente de como se olhavam quando dividiam um mesmo ambiente.
Podia-se ver ódio, assim como se podia ver desejo. Em segredo, Claire já o
havia imaginado nu mil vezes, e quando ainda era nova o suficiente pra não
saber como bebês eram feitos, o havia imaginado deitado em sua cama, rosa e
cheia de ursos de pelúcia, mas isso era mortalmente trancado em seu
subconsciente. Ela não era o tipo de garota que tinha melhores amigas, ela se
sustentava por si mesma. Quando sentia vontade de chorar, repetia mentalmente
que nada, nem ninguém, era melhor do que o que ela sentia por si mesma, e as
coisas fluíam assim. Caleb já era um pouco diferente, era capitão do time de
futebol, e namorava uma líder de torcida por dia, confundia os nomes como quem
confunde o nome das figuras de linguagem, mas pouco importava a qualquer uma
delas, um dia com Caleb era o suficiente pra que seus status sociais subissem
pelo menos três pontos na escala escolar. Além de extremamente bonito, ele
ainda tinha uma vantagem em cima de outros garotos, dirigia um carro que nenhum
deles jamais sonharia em ter, mas diferente da história que contava, ele mesmo
o tinha comprado, trabalhado anos pra ter um carro tão bonito como
aquele.
Aquela noite era esperada, até mesmo por ela, a menina
das sombras. Mal sabia que iria acabar numa cama, totalmente desacordada e
com um cheiro totalmente inebriante espalhado pelos ares ao redor.
E foi assim que tudo aconteceu. Caleb estava bêbado,
mas ainda assim carregava duas garrafas de cerveja gelada por debaixo dos
braços, Claire o observava enquanto ele passava as mãos pelo cabelo escuro e
depois caminhava lentamente em direção a uma garota qualquer. Revirou os olhos,
talvez estivesse bêbada demais pra continuar olhando pra ele, por que tudo o
que conseguia ver era como ele era incrivelmente bonito! Os olhos eram
penetrantes, os braços eram fortes e musculosos e a camisa branca que usava a
deixava ridiculamente vulnerável à ele. Agradecia aos deuses por Caleb jamais
olhá-la dessa forma –como uma garota, corrijo-me-. Mas deveria ter sido mais
esperta, agradecer antes de ter certeza do que possui, nunca é uma boa ideia.
Os olhos dele flagaram os dela, e por um momento, ela conseguiu sentir cada
parte de seu corpo se arrepiar, ele sorriu, “Mas que maldito bastardo!” pensou
em fúria, ela sabia que ele compreendia o que despertava nela e sentia vontade
de esmurrá-lo quando pensava nisso.
Os dois se aproximaram, e os lábios dela ficaram a
centímetros dos dele. A situação era mais complexa do que lhes parecia, ambos
eram dominadores, e nenhum deles iria ceder à provocações sem provocar
primeiramente, era uma briga sem fim, talvez se eles decidissem se beijar de
uma vez por todas... E eles decidiram. Era mágico. Era uma mistura de ódio,
rancor, com uma vontade insaciável de tocar, sentir. Foi o que fizeram por toda
a noite, se tocaram como dois animais famintos, fizeram amor de formas que nem
imaginavam conseguir, e os corpos, embriagados e cansados desabaram, caíram
suados um sobre o outro. Era engraçado vê-los abraçados daquela forma, duas
pessoas distintas, com virtudes, objetivos e personalidades diferentes. Mas se
amaram como nunca, e talvez, dentro desse mundo tão ausente de paz, ainda
exista uma esperança. Caleb e Claire encontraram dentro de si mesmos algo que
esperavam encontrar em qualquer outro ser humano, mas jamais neles.
Penso se algum dia, vou me encontrar dentro de alguém.
Isso se conseguir me encontrar algum dia.
Quem sabe por um longo tempo, eu comece a desistir dos
cafajestes...
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