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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

E era por isso...

Lembro-me da primeira vez em que a vi. Ela contornava os desenhos do caderno, apoiando o rosto em uma das mãos e bocejando conforme a aula passava a nossa frente, completamente alienada ao que o professor dizia.
Ela era diferente e mesmo sem ter trocado uma palavra sequer com aquela garota, eu já tinha certeza absoluta disso.
Era algo na forma como ela me olhava nas horas mais inapropriadas, sempre quando eu estava prestes a contar uma história ou a fazer algum comentário malicioso, e então tudo ao meu redor parava, eu ficava perdido nas palavras, me esquecia completamente do que ia dizer.
Era alguma espécie de feitiço. Algo que me forçava a prestar atenção nela. Antes mesmo de vê-la sorrir pra mim, eu já sabia que estava apaixonado -algo dentro de mim se acendia sempre que ela estava por perto- e que mesmo nos braços de outras garotas, nenhuma delas me faria sentir daquele jeito.
Eu me sentia fraco.
E forte.
Seguro de que ela me queria.
E completamente inseguro quanto ao que fazer para tê-la.
Pensei naquela tarde com carinho, um dia que para mim, estava fadado a ser tão ordinário quanto a minha rotina normalmente era. Eu estava tão enganado! Naquele dia quente, eu ganharia o meu primeiro beijo, não de uma garota qualquer, mas dela, da garota que podia ser a minha ruína ou a minha ponte para a luz. Foi impossível não me lembrar da sensação conforme escrevia, o beijo doce e totalmente bagunçado, um misto tão grande de expectativas e sentimentos que não tivemos nem tempo para encaixá-lo... Foi confuso. Atordoante. Inovador. Me senti, pela primeira vez em muito tempo, como o adolescente cheio de hormônios que era. Ali, no meio de outras pessoas, eu já sabia que a queria só pra mim, que queria passear as mãos por seu corpo pequeno, ouvi-la rir pela manhã, enquanto ela acordava preguiçosa, vestindo a minha camisa favorita. Eu tinha certeza de que estava apaixonado por ela. Nada daquilo fazia sentido pra mim.
Quanto mais eu a conhecia, quanto mais ela se abria, mais apaixonado ficava. Era como se através de todas as palavras, parte de seu feitiço fosse me inebriando, me transformando numa presa cada vez mais vulnerável e a verdade era que eu pouco me importava. Com o tempo, comecei a ver seus defeitos, comecei a notar o seu medo de se entregar, comecei a perceber os desvios de olhar rápidos quando tocava em um assunto que ela não se sentia totalmente confortável em mencionar, a vi se afastar de mim e meu coração se partia na mesma velocidade eloquente no qual se encheu de esperança. A vi esvoaçar. A vi fugir de mim como uma criança foge do castigo. Fiz tudo o que podia para segura-la. Tudo. Ou pelo menos aos meus olhos, tristes e sem vida, fiz tudo o que podia para impedi-la de me deixar. Brigávamos todos os dias. Pelas coisas mais idiotas e absurdas que existiam no meu cenário adolescente é problemático. Ela queria discutir até mesmo quando não havia nada para ser discutido. Vi a paixão ir embora, mas constantemente enviei incentivos ao meu coração, “vamos ganha-la de volta, tudo vai melhorar”, mas nada melhorou e chegamos ao fim. Sentei na cama do meu quarto, pensando nos meses que passamos juntos.
Pensei na primeira vez em que fizemos amor. Nos primeiros beijos calorosos. Pensei em tudo.
Pensei na forma como costumava abrir os olhos de manhã e encará-la enquanto ela mexia no meu cabelo, um brilho infantil e apaixonado no olhar.
Pensei na nossa primeira vez. No nervosismo, nas risadas, nos movimentos desengonçados e na primeira vez em que nos vimos pelados. Me peguei rindo da cena. Sentindo uma saudade que não tinha certeza se cabia dentro do meu coração. Então chorei. Silenciosamente. Implorando pra que ninguém na casa me escutasse. Chorei de saudade, de dor, de angustia, de medo. Chorei por ela, por mim, por nós dois.
Me lembrei de tudo aquilo o que odiava nela.
Na forma irritante como ela costumava falar durante os meus filmes favoritos.
Na maneira contraditória que ela se referia a ela mesma, sempre se fazendo parecer inferior a mulher que ela realmente era, a mulher que eu amava.
Me lembrei do quanto ela se mexia na cama no meio da noite, me forçando a dormir em uma posição que eu considerava humanamente impossível.
Me forcei a pensar em mim mesmo, a acreditar que se ela não me queria, então eu também não a queria mais. Eu não a amava. Nunca poderia amar alguém tão egoísta, egocêntrica, mandona, ciumenta... Foi quando tive uma epifania. 
Eu amava até mesmo as coisas que deveria odiar nela.
Corri.
Corri como um maluco.
Atravessei as ruas com o coração preso na garganta e então a vi. Abrindo o portão de casa. O short curto e a camisa três vezes maior que ela. Os olhos avermelhados e o cabelo despenteado. Vi nela um desespero que se parecia com o meu. Ela me olhou, ainda sem saber se sorria ou se chorava, mas conforme eu me aproximava, o choro dela foi se tornando mais alto, mais forte, mais vívido. A abracei, enrolei meus braços ao redor de seu corpo e disse pra mim mesmo que nunca mais a deixaria sair dali. Que nunca mais me esqueceria de todos os motivos que me fizeram cair apaixonado por essa garota.
Me forcei a lembrar durante todas as brigas, e acredite, foram muitas! Nosso relacionamento nunca foi fácil. Nunca foi simples, mas eu não conseguia me imaginar querendo algo simples, quando sabia que ela não faria parte da minha vida. Nada fazia sentido sem ela. Nos separamos muitas vezes durante nosso tempo juntos, namorei uma ou duas outras garotas, e me pegava sorrindo quando uma delas fazia algo que me remetia a ela. Porque, pra mim, era assim. Tudo me remetia a ela. Minha segunda namorada foi a coisa mais próxima que tive do meu relacionamento com a garota da minha vida, mas num dia chuvoso, mais um dos muitos dias ordinários da minha vida, estávamos deitados no sofá, assistindo a uma porcaria qualquer dessas na televisão, a pobre coitada decidiu cantar na hora errada. Ela cantou a única musica que não deveria ter cantado. Ela cantou a nossa música. Me vi solteiro na manhã seguinte.
No fundo eu sempre soube. Sempre soube que jamais amaria alguém da forma como fui apaixonado pela minha “vizinha”. 
Então desisti de tentar. Desisti de fugir. Corri pra casa dela de madrugada e dei de cara com o namorado novo. Pra minha felicidade momentânea, ele estava de saída. Eram três da manhã. Eu sabia que ele tinha acabado de fazer amor com ela. Eu tinha certeza. Senti uma dor na boca do estomago que me incomodou profundamente, mas então ela me viu. Os olhos alarmados me encararam, cheios de ira. 
Caminhei até ela com a pouca força de vontade que ainda existia em mim. “Vim pra te ver, achei que a gente podia conversar...”, disse pra ela, totalmente sem jeito. Ela tirou os meus óculos do rosto, limpando-os na camisa que costumava ser minha. “Você não deveria estar aqui...” ela começou, devolvendo os óculos aos meus olhos e acariciando a lateral do meu cabelo. Fechei os olhos pra sentir seu toque. “mas estou feliz que esteja.” Ela me beijou, colou os lábios nos meus como se nunca os tivesse separado e um calor absoluto tomou conta de mim.
Eu me sentia fraco.
E forte.
Seguro de que ela me queria.
E completamente inseguro quanto ao que fazer para tê-la.
Eu só sabia que nunca mais a deixaria fugir de mim.
Desde então ela é minha e olhar pra ela nunca mais se tornou cansativo, tê-la na minha vida é uma das poucas coisas que me fazem ter certeza de que sou feliz. Ela era para mim, o que as mãos eram para um pintor, o que os pés eram para um atleta, ela era essencial.
Nunca mais me esqueci.
Nunca mais me esqueci de seus olhares inconvenientes na escola.
Nunca mais me esqueci de seu sorriso indiscreto.
Nunca mais me esqueci do nosso primeiro beijo.

Até porque, teimosa como era, ela nunca me deixaria esquecer e era por isso que eu a amava.

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